Carta ao Brasileiro Goffredo da Silva Telles Junior – Antonio Carlos Malheiros

Antonio Carlos Malheiros
Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo e ex-conselheiro e diretor da Associação dos Advogados de São Paulo

Prof. Goffredo, querido amigo.
Venço, hoje, um acanhamento de muitos anos, para, respeitosamente, chamá-lo de você. Já havia conseguido esta façanha com o Dalmo, com o Comparato e com o Theotonio. É o carinho que fala mais alto.

É madrugada. Tenho, agora, um pouco de paz para saudá-lo, ainda que não tenha sentido “…o leve roçar da asa do anjo na minha cabeça…”. É que os anjos não se ocupam de inspirar qualquer um, até porque acredito que eles estão todos sempre com você. Eles são espertos, sabem escolher o que há de melhor. E com certeza, era um arcanjo que estava ao seu lado, naquela noite de inverno, julho de 1977, quando você iniciou a nossa “Carta aos Brasileiros”, exigindo o “Estado de Direito Já”.

E até eu, que não tenho nada de anjo, não mais me separei de você, desde o início de 1969. Ainda que, lamentavelmente, nos vejamos pouco, carrego você no meu coração de estudante. Estudante nem sempre atento e dedicado. Estudante que, somente agora, teria uma certa maturidade para ser seu aluno, conforme confessei, outro dia, para o Eduardo Carnelós.

Tenho ido, em algumas manhãs de sábados, à nossa Faculdade. Fico sentado em um daqueles bancos do pátio, lembrando de tudo, ao som dos ensaios do coral de lá. No mesmo local onde você, em um momento triste, alegre recebeu o convite do Prof. Noé Azevedo para fazer parte do Conselho Penitenciário. No espaço vazio, vejo meus colegas de turma, todos ainda muito jovens, em plena alegria, em uma grande farra. Alguns mais sisudos, pois conscientes dos perigos daquela época difícil. Lembro dos professores, de aulas curtas demais e de outras que não terminavam nunca. As suas eram daquelas curtas demais. Mal começavam, já terminavam. Não sentíamos passar o tempo. Fazíamos silêncio (o que era raro). Palavra por palavra, cada frase merecia toda atenção. E atentos, aprendemos, com você, a amar o que é justo. A Justiça que leva à paz. Você nos indicava o caminho do bem. Do bem comum. Você nos mostrava que o direito estava nos corações dos homens, ainda que, em alguns casos, como acabei aprendendo no meu dia-a-dia, só vamos mesmo encontrá-lo com o auxílio de uma britadeira.

Corajoso até não mais poder, você sempre disse o que merecia ser dito. Sem tirar, nem pôr. Sem medo, ou, ao menos, não pactuando com ele, você sempre amou a liberdade, deixando de, perigosamente, apertar mãos menos dignas.

Tolerante, não nos deixava sem respostas, ainda que, diante de determinadas perguntas, a resposta fosse um sorriso.

Ídolo da juventude. Ainda é. A jovem jornalista Renata Malheiros encantou-se com você. Anda até pensando em estudar Direito.

Advogado, é uma honra ter você ao nosso lado no Instituto dos Advogados de São Paulo e na Comissão Justiça e Paz.

Premiado, você ganhou a Maria Eugênia e a Olívia.

Jardineiro, vê no que plantou nascerem, todos os dias, flores lindas, no imenso jardim da sua vida.

Prevendo ventanias, você construiu moinhos, enquanto muitos outros construíam abrigos.

Patriota, sem patriotadas.

Exemplo de cidadão, você é o que existe de melhor em ser brasileiro. Brasileiro da “Carta aos Brasileiros”. Brasileiro da legalidade, da ética, da solidariedade. Brasileiro dos direitos humanos. Brasileiro da luta, de muitas vitórias, que ficaram, e de poucas derrotas, que já passaram.

Paro por aqui. Já são quatro horas e logo terei um dia cheio de agravos de instrumento. Deixo a “…Folha Dobrada…”.


Um forte abraço hoje, e muitos outros pelos próximos cem anos, do seu aluno.