CELSO LAFER
ESPECIAL PARA A FOLHA
O professor Goffredo, que acaba de nos deixar, foi ontem velado na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, que, para ele, representou, como disse no seu livro “A Folha Dobrada”, a sede mobilizadora do perfazer da sua vida. Nada mais pertinente que ele tenha sido velado nas Arcadas, pois a faculdade foi a sua alma mater e por ela ele velou. Velou pelas suas tradições, velou pelo sentido histórico do seu papel libertário na vida brasileira, velou pela formação de incontáveis gerações de alunos que seguiram os seus cursos, durante 45 anos de magistério.
O professor Goffredo foi o professor de Introdução ao Direito, mas, mais do que um grande professor desta matéria, foi o responsável pela iniciação à beleza do direito. Destacava o sentido do direito como a disciplina da convivência humana animada pela liberdade e pela justiça, que são os valores que explicam o que é o direito, ou seja, o certo. Por isso dizia que o direito, o bom direito, como o amor, brota no coração dos homens.
Daí um amor mundi, que explica a sua devoção aos direitos humanos e o seu amor a um Brasil democraticamente regido pelo Estado de Direito, que é a lição profunda da sua “Carta aos Brasileiros” -lida no pátio da faculdade em 11 de agosto de 1977, no sesquicentenário da fundação dos cursos jurídicos em nosso país e que foi um marco histórico e político da redemocratização brasileira.
O professor Goffredo tinha o gosto e o dom da palavra associados ao rigor do pensamento e à clareza da exposição. As suas aulas tinham a beleza da obra de arte, pois combinavam uma eloquência desataviada provida do sal da emoção. Eram proferidas por um ser humano de rara elegância e perfeita civilidade. Tinham o lastro da exemplaridade de sua constante preocupação com a conduta ética. São estas dimensões que também foram a marca identificadora da sua presença e da firmeza das suas posições como intelectual público no espaço público da palavra e da ação em nosso país.
O professor Goffredo foi o paraninfo da minha turma na faculdade, a turma que se formou no final do turbulento ano de 1964. Assistimos, como seus alunos, à grande oração que proferiu em homenagem à memória de Spencer Vampré, o seu antecessor na disciplina de Introdução. Nesta oração, disse que Vampré se dedicou a plantar rosas no pátio de pedra da faculdade. Foi o que igualmente fez com amor, devoção e sabedoria o professor Goffredo.
Daí a sua aura e por isso ele é o mais emérito dos professores eméritos das nossas Arcadas.