Tributo ao Professor Goffredo da Silva Telles Junior – José Carlos Madia de Souza

José Carlos Madia de SouzaPresidente da Associação dos Antigos Alunos da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo

Foi com um misto de orgulho e receio que recebemos a honrosa incumbência de escrever um artigo para este número especial da Revista do Advogado, em que se homenageia o ilustre Professor Goffredo da Silva Telles Junior.

Orgulho, por entender ser essa distinção atribuída à Associação dos Antigos Alunos da Faculdade de Direito da USP – cuja atual Diretoria tenho a honra de presidir –, daí porque adotar a forma plural, significando a palavra de nossa entidade.

Receio, pela dimensão exponencial do homenageado, da amplitude e abrangência de suas qualidades, ante a limitação do nosso conhecimento e competência.

De qualquer forma, esta é oportunidade rara que não deve ser perdida, sobretudo para poder testemunhar o extraordinário carisma e a liderança que o Professor Goffredo exerce sobre todos nós, seus Antigos Alunos.

A Associação dos Antigos Alunos, que completou 70 anos no final de 2001, contém em sua denominação a palavra Antigos para significar que os Alunos da tradicional Faculdade de Direito do Largo de São Francisco jamais deixarão de ser alunos, distinguindo-se dos que a cursam no presente, apenas por esta palavra.

E o Professor Goffredo se liga a sua história inclusive por hereditariedade, vez que seu saudoso e ilustre Pai, Goffredo da Silva Telles, foi um de seus primeiros Presidentes.

Ademais, em sendo a continuidade natural do glorioso Centro Acadêmico XI de Agosto e pretendendo abrigar todos os que pelas Arcadas passaram, a nossa Associação é a própria casa do Professor Goffredo, que considera, também, a Faculdade de Direito, a extensão natural de seu lar.

Antigos Alunos como Almino Affonso, José Carlos Dias e Flávio Flores da Cunha Bierrembach – este último também ex-Presidente de nossa Associação – , foram os mentores do convite ao Professor Goffredo para que redigisse a memorável “Carta aos Brasileiros”, proclamação histórica dos ideais do Estado de Direito, e que foi lida pelo próprio Professor Goffredo em 8 de agosto de 1977, inserindo-se nas comemorações dos 150 anos de nossa amada escola.

Outro ponto de identidade importante encontra-se dentro da própria casa do querido Professor: sua esposa D. Maria Eugênia Raposo da Silva Telles e sua filha, Olívia Raposo da Silva Telles são, ambas, Antigas Alunas da São Francisco.

A respeito de Maria Eugênia – colega de turma de 1964 –, cabe reproduzir o registro que o próprio Professor Goffredo faz em seu magnífico livro A folha dobrada (título extraído do inspirado e patriótico verso de Tobias Barreto, “Quando se sente bater. No peito heróica pancada. Deixa-se a Folha Dobrada Enquanto se vai morrer”), e que não por mera coincidência é, também, o título do informativo bimestral de nossa Associação dos Antigos Alunos, com 12.000 exemplares de tiragem.

Mas voltando ao mencionado trecho do livro A folha dobrada , e antes até, para que melhor se entenda, vale referir confissão do próprio Professor Goffredo nesse livro: “De fevereiro de 1944 a meados de 1966 – durante mais de 20 anos – vivi nas marés de meus estados d’alma, ora arrastado pelo meu desespero, ora soerguido pela preamar de minhas resoluções. Um turbilhão me envolveu. Naveguei pelas águas de baixo, fui sorvido por uma voragem tenebrosa. Perdido, eu me refugiava na noite, socorria-me dos venenos da euforia e da morte. Depois eu me recuperava, ressurgia, voltava para a minha mesa, meu paraíso, onde me esperavam meus livros, que eu abandonara abertos, meus filósofos estremecidos, meus poetas, e retomava a minha vida, com a alma em paz, renovada”.

Pois bem, grande parte de seus alunos conheceu e aprendeu com o Professor Goffredo nesses 20 anos tenebrosos e, no entanto, convivendo com seu infortúnio, fomos, todos, privilegiados alunos e ouvintes de sua Introdução à Ciência do Direito. Cada aula, magna, lembrança imorredoura que gostaríamos de ter perpetuado em alguma espécie de equipamento de som e vídeo, vez que nossa pobre memória não conseguiu reter em todas as suas nuances e riqueza. A sapiência e a paixão pelo Direito nos alcançaram de maneira arrebatadora, por sua introdução.

Retornando e agora entendidas as razões que a transformação operaria, utilizamos as palavras do Professor Goffredo, do mesmo A folha dobrada , para destacar mais esse ponto de encontro com os Antigos Alunos, que teve lugar na noite de entrega do Prêmio Juca Pato, sábado, 28 de março de 1967, na sede do jornal Folha de S. Paulo, na Alameda Barão de Limeira.

“Cheguei à sede da Folha, surpreendi-me com a multidão nos amplos espaços da entrada. Fui penetrando pelo saguão. Não andei muito. De súbito, numa abertura no meio do povo, eu a vi! Ela estava de costas para mim. Vestia um tailleur azul-marinho. Pelo seu vulto, seu cabelo erguido sobre a altiva cabeça, sua extraordinária elegância, eu a reconheci. Quando ela se virou – Santo Deus! –, seu olhar, seu claro sorriso, doce como uma bênção! Era Maria Eugênia. Era Maria Eugênia Raposo do Amaral, filha de Annibal, meu amigo desde seu tempo de solteiro, na Revolução de 1932, como já relatei. Ela fora minha aluna na Graduação, em 1960. Durante um ano, ela sentara nas primeiras filas diante de mim, ouvindo minhas aulas diárias, e eu não a notara. Ela estivera comigo na festa de sua formatura, em 1964, ouvira meu discurso de paraninfo, e eu não a notara. Ela fora minha aluna, no Curso de Especialização. Lograra classificação excelente, e eu não a notara. Dois anos escoaram. Ela residira nos Estados Unidos e alcançara, na Universidade de Cornell, o diploma de Pós-Graduação em Direito Comparado e Relações Internacionais, e eu não a notara. E agora ela se vira para mim, no meio da multidão, e meu destino ficou decidido. A luz de seu rosto me envolveu e eu me senti rebatizado, redimido. Maria Eugênia, na plenitude da graça e da glória, realizou, no fulgor de um só instante, o milagre impossível – o milagre a que eu me referira, numa noite longínqua de Natal, em casa de meus pais. Naquele momento, debandaram meus demônios. Libertei-me definitivamente. E Maria Eugênia entrou na minha vida. E a iluminou para sempre.”

Aqueles que nos lêem agora hão de perdoar-nos, mas falar de Goffredo da Silva Telles Junior somente é possível tomando emprestadas suas próprias palavras. E basta.

Nestes últimos 175 anos, desde 11 de agosto de 1827, quando instituídos os Cursos Jurídicos em nosso País, e que se constituem na idade das gloriosas Arcadas do Largo de São Francisco, professores como o grande Mestre Goffredo da Silva Telles Junior – e ele, talvez, mais que todos – mantiveram e sustentaram acesa a viva luz do Direito. A nossa Escola, a nossa Sagrada Casa-Mãe, tem se revigorado em sua alma, espírito e coração pelo exemplo, tradição de conhecimento, competência e patriotismo desses grandes Mestres.

O desafio de todos nós, Antigos Alunos desta Faculdade que é o sustentáculo e a guardiã do Direito e da Liberdade, é dar seguimento e mantenência dessa chama que nos lega, vivo e lúcido. O exemplo ímpar do caminho que nos indica e orienta.

Que não nos falte, jamais, a permanente lembrança de sua conduta e pensamento.

O nosso Professor Goffredo da Silva Telles Junior.

Mestre de sempre do Brasil.