WALTER CENEVIVA

Goffredo e sua importância *

A “Carta aos Brasileiros” foi um momento culminante na união da cidadania em torno do ideal dos que a firmaram

NESTES DIAS EM QUE se recorda o trigésimo aniversário da “Carta aos Brasileiros”, pronunciamento de Goffredo Telles Junior (do qual me honrei assinando-a com Miguel Reale Junior, quando seu vice-presidente, na AASP, Associação dos Advogados de São Paulo) é tempo bom para observar que a importância do mestre, em vários campos do direito, transcende desse documento histórico.
Depois do fim da Segunda Guerra (1939-1945) a ciência jurídica passou por intensa reavaliação. Exigiu que suas teorias e concepções consolidadas entre 1850 e 1900 fossem repensadas, à medida em que o planeta se mundializava. Goffredo esteve atento e ativo nesse repensar.
Tendo encantado gerações, ao ensinar “Introdução à Ciência do Direito”, encontrou repercussão adequada nas referências a sua extensa obra. Preocupou-se com o debate franco dos assuntos compatíveis com a democracia, a liberdade de manifestação das opiniões, dos cultos, das convicções em todos os segmentos do pensamento humano.
Obras jurídicas e filosóficas de Goffredo integram indicações bibliográficas em inúmeros autores nacionais e estrangeiros. Na literatura jurídica, a carreira longa do professor paulista corresponde a uma afirmação do direito como instrumento de paz social.
Em minha avaliação pessoal, no seu “O Direito Quântico”, editado pe-la velha editora de Max Limonad (a primeira edição é de 1971) foi a contribuição original mais interessante do pensamento goffrediano, para cuidar do que refere no subtítulo como sendo “os fundamentos da ordem jurídica”. Mesmo o leitor não jurista, alheio profissionalmente às questões do direito, lerá páginas desse livro (Goffredo o dedicou a Maria Eugênia, sua mulher) com muito interesse, já no primeiro capítulo. Neste, em mais de cem páginas, traça a história da Terra e do ser humano que a habitou (quando se tornou habitável, milhões de anos depois de consolidada) para enfocar, logo a seguir, a permanente inspiração que o orientou também na “Carta”, ou seja, a da liberdade.
Esta semana marcou, ainda, o lançamento do livro “Estado de Direito Já!”, festejando os 30 anos da “Carta”. Conjunto expressivo de entidades, com a coordenação da Associação dos Ex-Alunos da Academia do Largo de São Francisco, se uniu para possibilitar a publicação pela Editora Lettera.doc. Reúne depoimentos de 23 ex-alunos da faculdade, com impressões pessoais de grande valor histórico sobre os anos 60 e 70, definindo -em visões individuais- a retomada do que havia há três decênios, na convicção de que a volta da democracia era fundamental, com o Estado Democrático de Direito.
Daquele tempo, não nos esqueçamos de que os apelos ditatoriais subsistiam, tanto na parte dos militantes da direita (aos quais o poder favorecia) quanto dos militantes da esquerda, ainda inspirados pela URSS. Goffredo e os que o acompanharam, na “Carta”, queriam a democratização imediata para livrar o Brasil dos abusos contra os direitos individuais, destinados a afirmar o arbítrio dos agentes do Estado.
A “Carta”, mesmo considerando os anos passados depois dela para a volta da democracia, foi um momento culminante na união da cidadania em torno do ideal dos que a firmaram.

* Artigo pblicado no jornal Folha de São Paulo de 11 de agosto de 2007, p. C2